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domingo, 24 de abril de 2011

Um não

Charleville-Mèziéres, 23 de abril de 2011

A resposta foi não.

E depois, tendo eu perguntado o porquê, ouvi uma das coisas mais duras que eu poderia ouvir sobre o meu trabalho: “trata-se de presença cênica. De falta dela”.

Disse que de maneira nenhuma é uma questão plástica, que o meu trabalho é lindo e bláblá, tem uma estética pessoal e disto ninguém do júri duvidara. E que o júri estava muito dividido, porque parte dele me queria muito na Escola e outra parte não. Processo democrático, foi votado. Eu saí. Sinto muito, dizia-me o representante.

Presença.

A coisa mais forte enquanto palhaça, que não quis trazer para cá porque sempre aprendi que era o boneco quem tinha que ressair, não o marionetista. Foi o que faltou. E nada dito durante o processo, nenhum sugestão ou conselho a respeito disso. Só agora me falam, é isso que a Escola quer, é isso que gostamos. Não diferente. E você está fora.

Acho que vou demorar muito tempo a entender muitas coisas. Algumas escolhas do júri, demorarei muito, não tenho dúvidas.

A pessoa que eu mais estava certa que entraria também não estava na lista. Ramin, do Irã, tem um trabalho incrivelmente lindo, fez uma apresentação poética e das mais belas, trabalhou duro na confecção e manipulação de bonecos, inpecáveis. Não passou. Por que? Porque era muito diferente do que a Escola buscava. Contava histórias, e eles queriam uma relação de ator e bonecos – quase a mesma resposta que para mim. Não passou. E ele, sentado em frente do seu cachimbo, com os olhos embaçados perguntou como que em sussurro, conversando conosco de olhar baixo: “como vou saber fazer isso? É algo que nunca vi, e que vim aqui justamente para aprender e conhecer, para trocar com as coisas que sei, que vivo, que fazem parte de minha realidade. Como eu posso saber?”

Eu fazia a mesma pergunta para mim, também, estando também a chorar por dentro e por fora.

Disse o senhor do júri para mim: “é cruel, sei que é. Te mandar de volta para o Brasil, com todo o trabalho que tens. Mas é assim, é só uma seleção, e é só um caminho dentre tantos.” Eu sei, e sigo em frente. Tenho chorado muito, tudo o que tenho para chorar, para daqui a pouco voltar a sorrir e fazer sorrir. Sigo sem entender, mas assim me parece ser a vida.

Ramin voltou ao Irã essa manhã. Depois de ter saído o resultado ele contou-nos que, não tendo conseguido entrar em uma instituição boa de estudos, terá que servir ao exército por 2 anos e meio no Iraque. Irá se alistar assim que chegar ao país porque não tem outra opção, assim é a sua realidade, assim é sua vida.

Depois falou disso para os representantes da Instituição. Não há nada a fazer? Podem ajudar? Tudo que disseram é sentimos muito, mas não podemos considerar problemas pessoais... Mas ele vai para guerra, trocar a delicadeza de seu trabalho por calibres e balas... Nada a fazer.

Disse o colombiano que passou no exame: “fique em meu lugar, siga trabalhando”. Mas não pode. Não há nada a fazer.

Hoje de manhã Ramin pegou o trem. Cantamos uma música que ele ensinou a Evandro esses dias, na língua dele, enquanto seus olhos fortes choravam atrás do vidro. E os nossos! Lá ia ele, lá ia, abanando em silêncio.

Jamais vou esquecer isso. E creio que também jamais vou conseguir entender este não a Ramin.

8 comentários:

  1. Fiquei triste por saber. Mas você quase chegou lá. E sei que seu trabalho me impressionou quando ví. Sua arte é boa sim, e arte não se mede. Também tenho a sua visão quanto ao bonequeiro e tenho absoluta certeza que quando ele aparece a magia do teatro desaparece. Mas é assim nunca dão chance ao que é novo, ousado, nunca dão chance para a verdadeira arte que não é receita de bolo. O incrível é ver conservadorismo dentro da classe teatral, pois o boneco quer aparecer sem precisar de uma face humana para lhe tirar a fábula. Um abração Genifer.

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  2. Geni,
    Pensei em tanta coisa para escrever...
    Fiquei me perguntando com suas perguntas.
    E fiquei pensando em Ramin...
    De resto, é o tempo do tempo.
    Mas desde antes e depois, estamos contigo!

    Beijo grande!
    Diego

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  3. Geni amada... As instituições são institucionalizadas... O q eles buscam...
    "Presença" é só a desculpa da vez.

    Penso em Ramin, medito sobre o destino.

    Agora, voe livre e feliz através dos tempos!
    MARAVILHOSA!!!!!

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  4. Geni...

    tuas palavras calaram fundo...
    torço para que os "RAMINS" não desistam... é difícil crer que este telento seja em vão, prefiro acreditar que seu momento já esta escrito, basta não desistir... e caminhar mais um pouco,pois pode estar logo "ali" a sua oportunidade...

    te aguardo de braços e coração abertos...
    Laco

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  5. Dá uma revolta no coração da gente saber destas coisas...Vou orar por todos...para que tenham mais persistência ainda... e encontrem paz onde quer que vão.
    bjo Carolinne Caramão

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  6. Genifer, minha querida!
    Esse é o capitalismo! Para um sim, muitos nãos. As seleções jamais serão justas, jamais.
    Como é possível avaliar uma presença?
    Mas uma resposta é só uma resposta. E por mais que o sim pareça maravilhoso ele é tão efêmero quanto o não.
    São tão efêmeros os sins, são tão efêmeros os nãos....
    O incrível Genifer, é que podem nos tirar tudo, menos o que nos tornarmos, o que vivemos, o que experimentamos. E que bela experiência essa, não? E a forma como tua aconteceu, que lindo foi, não é?
    Não falo isso como forma de compensação e também não sou Poliana, mas acredito que presença mesmo é aquela que fica na memória, apesar do tempo....
    Certamente em alguma cidade de 10 mil habitantes entre a Bahia e o Rio Grande do Sul tu se faz PRESENTE ainda hoje e se fará, talvez, por toda a vida, no coração de alguém que pôde conhecer o teatro pelos teus bonecos e pela Palitolina.
    E a beleza, doçura e leveza do teu trabalho estarão sempre contigo, aqui, ali ou acolá. E isso independe de qualquer sim ou não.
    Te esperamos. Felizes!

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  7. Fiquei pensando em como a Academia já errou na França..a História da Pintura é repleta de exemplos.lembro do Salon des Refusés entre os quais estavam Manet e Cézanne e este Salão dos Recusados é tido como um marco para o surgimento da pintura moderna.
    Lamento tanto,mesmo, mas se não foi desta vez, será de outra.A experiência foi incrível, Nuni e a delicadeza jamais será recusada pelos corações.Abraço carinhoso Angela

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  8. Sempre existirá a expectativa de um resultado.
    Qualquer que seja a busca, ficamos nos sentindo
    na corda bamba...Até que chega e nos faz sorrir
    ou chorar...Esta é a vida, a tua vida.Muitas
    vezes já sorrimos com a Palitolina e já choramos
    com os relatos da D.Bil.
    O importante é que sempre segues em frente com
    a certeza de buscar algo maior para tua felicidade.
    Beijão,mãe.

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