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quarta-feira, 20 de abril de 2011

Aquilo que Brota

Charleville-Mèziéres, 20 de abril de 2011

Semana correndo, semana fazendo.

Hoje apresentei-me o júri de 7 senhores e senhoras e aos demais sobreviventes – digo, digo, candidatos – a minha pequena cena que montei em dois dias (contando neste tempo a criação, confecção da boneca e ensaios).

Com sugestão dos professores daqui, fiz o teto todo em português. Inspirado em uma frase de um grande amigo, o Tiago do Meme – espaço cultural real e imaginário incrível de Porto Alegre – segue abaixo o texto que criei:


AQUILO QUE BROTA

Havia uma moça

Muito pálida, muito seca, muito triste

Que morava em um lugar qualquer.


Tudo aquilo que achava belo queria pegar

Mas de suas mãos as coisas fugiam como pó em reflexo de sol.

Um dia quis pegar a chuva.

Mas esta caiu como pranto escorrendo em suas finas mãos.

Não podia. Não podia...


Outro dia, encontrou um amor.

E foi o mais belo e verdadeiro amor que poderia ter.

Era intenso, e forte, e podia tê-lo nas mãos.

(E ela pensou mesmo que o teria para sempre.)

Mas também este partiu.

E deixou a moça um pouco mais pálida, e seca, e triste.


Tempos depois, tendo sentido uma dor muito profunda, algo de si nasceu.

Nasceu em noite escura com ela a espremer a escuridão. Confusa com o que sentia, e que doía, e que era um mundo novo que dela saía, e nascia...

Novo!


Também pálido mas nunca triste, o pequeno olhou em seus fundos olhos.

A moça agora mãe ficou longo tempo a admirar.

Ela o tinha nas mãos, mas sabia que logo ele também iria partir.

Talvez, e só talvez,

Ali ela entendeu o universo inteiro.

Porque ao olhar para ele, pela primeira vez ela olhou para si.

E tudo que tivera sempre com ela estampado em sua pele fina.

Tudo ali, escondido e doce como receita de avó. As dores, as alegrias, as angústias e os nós.

T u d o a l i .


A moça ainda pálida e seca, mas nunca mais triste entendeu.

Compreendeu que não precisava levar as coisas nas mãos

Mas que sempre

Levava tudo nos olhos.



Dei apenas uma frase em francês antes de iniciar a cena: “vou contar a vocês a história de uma moça que tudo a escapa”. Só isso, imagens metafóricas com botões, linhas e retalhos e nada mais. Talvez não fosse mesmo preciso que me entendessem.

Apresentei com a tranqüilidade ao meu lado, fazendo-me cócegas nas orelhas. Aqui há uma expressão que diz algo como “tomar o seu tempo” – é como carpe diem, aproveitar os instantes, não se apressar. Dar às coisas o tempo que elas necessitam. E assim foi...

Tendo sido a quinta a apresentar, em seguida tive-me aliviada. Acabou, tinha feito o melhor que pude. E estava contente por isso.

Muitos outros apresentaram hoje, em seguida. E podendo assistir aos demais, depois de ter acompanhado-os em todas as aulas, laboratórios e oficina, foi um presente! Um aprendizado vê-los em cena.

Percebi que a percepção de mundo aqui é outra, não linear. Deu para notar a diferença com as cenas dos estrangeiros de fora da Europa, porque fazíamos – na maioria – cenas realistas, enquanto os demais arriscavam outras relações, permissíveis e dialógicas. Bom demais assisti-los, abriu inúmeras portas em minha imaginação!

Um comentário:

  1. Quem te conhece, sabe...
    Em cada boneco que crias,um pouco de ti colocas.
    Retalhos coloridos que mostram a união de sentimentos e vivências que guardas em teu coração.Serás sempre esta moça especial que
    consegue levar o mundo nos olhos...
    Te amo,Ruth.

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