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sábado, 30 de abril de 2011

Milão / Itália, 29 de abril de 2011

Tenho-me em uma praça de aroma suave. Voam ante meus olhos plumas brancas, crianças correm à frente e pombas pombeiam nos meus pés. Está frio.

Saí após um dia e meio “hibernando” na casa da Vili. Não sinto muita vontade de sair aqui porque não consigo conversar com as pessoas, não sabendo, eu, a língua. Ainda pelo frio constante – que para os daqui não é frio, mas para mim é - e querendo economizar, acabo preferindo me aconchegar em casa. Quem diria que eu diria isso?

Hoje saí. E finalmente consegui comprar um adaptador para recarregar as pilhas e conseguir apresentar o Mundo Miúdo na rua. Por mímica a moça me entendeu, e comprei sem maiores dificuldades.

(Já disse que está frio?)

A forma de se comunicarem aqui, de maneira geral, me pareceu bem estranha. É um tanto rude, à primeira vista. De modo geral, claro que não sempre. Também pudera, dizem oi e tchau com a mesma saudação de adeus...

Tenho saudades.

E segue o frio.

Minha cabeça tem doído um pouco, creio que tenho pensado demais, acordada e em sonhos, sobre a minha vida vendo-a assim na distância (... veio uma moça pedir-me informação. Falei que não sabia em um idioma inventado, acho que pareci aqueles personagens que se dizem italianos nas novelas das 8 do Brasil. A moça riu e seguiu em frente, carregando ainda sua dúvida). Então tenho pensado bastante sobre o ser e não ser, eis a questão.

Nos dias anteriores a Vili me mostrou um pouco da cidade. Milão é grande! Fomos a uma igreja linda no centro com esculturas delicadíssimas, onde tudo era diferente de tudo. Na porta, pessoas tocando no joelho de uma imagem – é assim, tu toca e faz um pedido, disse a Vili. Mas tocam bem na perna do homem que dá uma surra em Jesus? Estranho. Alguém sabe explicar isso, ou é coisa que definitivamente não se explica, só se crê?

Andamos também no centro amontoado de gente de todos os lugares do mundo. Diversidade, que beleza! E nos tempos extras jogamos cartas, tomamos chimarrão e curtimos cozinhar e comer na varanda, no sol lindo que às vezes espia.

Hoje, assim como ontem, a Vili tem aula o dia todo. Comi massa pelo 22º dia e tenho saudades do feijão, sobretudo do da minha mãe. (Que frio que está!)

Trouxe na minha bolsa agora instrumentos para buscar comunicações sem fala, como um boneco e a pequenina máquina fotográfica que o Evandro me deu (e que foi o presente mais amado que eu poderia ganhar deles). Olho em volta buscando gente e sinto que, do céu, alguns pingos começam a se jogar na distância. Está nuvem o cinza; está cinza a nuvem.

E frio.

E mais choro do céu.

(Volto para casa acelerada.)

sexta-feira, 29 de abril de 2011

vô e vó

Começo declarando que este post não faz muito sentido. Não tem haver com a Europa, com viagens, com o meu estar aqui...
Estava eu aqui "fuçando" em meus textos e descobri este, que escrevi há algum tempo sobre meu vô e minha vó. Até os meus 11 anos convivi muito tempo com eles, e tenho muito carinho pelas lembranças que tenho dessas pessoas que foram e ainda são tão especiais para mim.
Então resolvi postar aqui como uma forma de homenagem, um tanto estranha, um tanto perdida em meio à isso tudo, mas enfim.. este post não faz muito sentido. Não tem haver com a Europa, com viagens, com o meu estar aqui... (ou tem?)

*Só para esclarecer, são eles na foto antiga. Eu sou a pequenina no colo do vô, e meu irmão espia abaixo um não-sei-o-que.



VÔ E VÓ

Era o senhor do tempo. Dia e noite, a ajustar os relógios alheios. E nem sequer sentia o toque do cuco. Era mais do que o tempo, e já não tardava a noite escura, com seus bichinhos a rodear as lâmpadas fluorescentes e a fazer buracos nas madeiras.

Era osso e era suspensórios folgados. Com seu banquinho a tiracolo e rádio AM ligado, partia para a sua horta e seus temperos que à mulher dava.

Era alto, e magro. Gostava de piadas pesadas e de pescar lambaris, trazendo-os – pequenininhos e fracos – para que a mulher lhes tirasse as tripas e se restasse algo – restava? - fritarem na noite fria.

De manhã saía. Andar devagar, pés com chinelas velhas de quem cansou de calçá-las, de qualquer jeito estão. Enfurecido por lhe usarem a cadeira preferida, a de balanço, e porem-lhe os pés, solta um grito de quem não gosta e faz todos se encolherem, amedrontados.

Só toma banho nos sábados. Mas gosta de piadas. Ahh, ri com piadas infames e curtas. E é homem macho que nunca chora.


Era a senhora das comidas. Aquela que guardava a manteiga de cacau na geladeira para usarem na boca quando muito frio havia. E botava álcool líquido na vasilha de alumínio para aquecer o banheiro gelado dos banhos quentes. Ai, os banhos. Como era difícil entrar, mas ainda mais sair, depois de ter se esquentado. “Saia, que daqui a pouco teu vô chia!” Tinha razão de chiar, a resistência era baixa. E se a energia caísse era preciso subir a chácara toda, ir lá, próximo ao portão, para ligá-la novamente. Mas da senhora que falávamos. Havia sido professora, com seus alunos de coração. Todos os dias pensava em desistir, mas todos os dias retornava às aulas. Ela precisava deles. Digo.. Eles precisavam dela. Tal foi o dia em que abandonou tudo para se casar. Bonito casamento, alegria da família. “Os declaro marido e mulher até que a morte blábláblá”. Mas sim. Era boa professora. Estudada. Reconhecida. Tinha tudo para ser orientadora de classe. Mas veio a família, as barrigas, os filhos. Passou das crianças aos panos costurados. Silenciosamente, lá, anos depois, quando o avô fugia.. ops.. digo.. quando o avó ia até a horta, a vó passou a costurar roupas de bonecas para a neta. E como eram bonitas, presas na árvore de natal na noite sagrada. Com os nomes de cada boneca da neta, feitas sob medida enquanto esta estudava com outras professoras na cidade. Era chácara já. Depois, algumas bonecas esquecidas na chácara.. e uma ou outra 'liçãozinha' para elas dada pela avó, para não perder o costume.


Era o casal. Um passado esquecido de onde mágoas floresciam, e um presente rotineiro e breve. Um ataque. Uma demora. Uma morte. Uma culpa. Lá estava ele, aquele que nunca chora. Lá estava ela, ainda entre flores (também ela possuía uma horta). Lá estava o tempo, quieto. Ele e a chácara. Ele e a manteiga de cacau na geladeira. Cansado, sentou-se na cadeira de balanços. Pés para cima, como os netos. “Que grande farsa”, pensou. Na televisão, programa domingueiro de risos gravados que nada tinham de novo nem belo. Nem graça. Ele lá estava. Com as bonecas e sem lições. Com as roupas e sem corpos. Com. Sem.

Hospital. Remédios. “Dê tempo a ele”. Tempo, logo o tempo. O massacre de quem sempre era massacrado com lentes e parafusos e apertos e roscas e ponteiros tortos de tão retos. Lá estava ele, deitado na cama fria, à espera de uma sintonia exata de radinho sem pilhas e mudo. E a tempestade mostrou-se doce; e o inverno declarou-se ameno, e ele foi à procura dela, juntar-se às flores.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Aprendendo a "ser mais grande"

Milão / Itália, 27 de abril de 2011

“Tu tá meio empacada nos últimos anos, né?!” – disse minha amiga de infância.

Estou. Estou.

E estar empacada é trabalhar também, e duro, e sempre, mas patinar em chão onde não se anda além de dois passos. Vir para cá foi uma forma de tentar desempacar.

Ontem entrei na internet, e conversas com Expinho sempre são esclarecedoras. Às vezes dão nós, por vezes as pontas atiçam fundo a minha pele branca que sangra. Dói. “E agora?” “O quê fazer, quais os planos?”

Formular planos onde só se quer viver de forma simples e doce é difícil. Mas há objetivos, há andares, e não há como fazê-los sem planos.

Revi o Roda Viva com o Patch Adams – o original. Revi a parte 10 (que coloquei aí embaixo), que é uma das mais incríveis. É inteiro, é vivo, pensa e sugere alternativas. Penso se preciso morar aqui para conseguir sobreviver bem com arte, com bonecos, com palhaça. Ou em qualquer canto, fazendo bem feito tudo e sendo criativa. E penso que posso. Que é um tudo ou nada, sim. Mas que posso.

Então após longo tempo percebi que o plano é, verdadeiramente, ser. Assumir ser. E ser inteira, e em todos os momentos, e sempre.



(...há muito mais a dizer, mas meu pensamento ainda formiga...)



Conversei também com esta amiga que tem me acompanhado nos dias. Ela se formou em publicidade e assim como eu tem horror a tudo que quer se vender sempre, produtos gritando e saltando em imagens que sujam as cidades tortas. Mas entendo, mas entendemos. Há alternativas? E se... e se... Há sim. Tenho levantado possibilidades, tenho aprendido a pensar.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Ônibus é sempre ônibus

Resolvi viajar de ônibus. Estando com passagem em mãos, vou agora de Paris à cidade onde mora minha grande amiga, a Viliane – Milão/Itália. Preferi ônibus quando comprei a passagem porque andar na estrada para mim é como meditar – um tempo de tranquilidade onde o agora é trajeto para longe e para dentro de mim, um tempo de pensar na vida, nos rumos, no andar, andando.

De início, pensei que não fora a melhor das ideias viajar de ônibus na Europa, em um trajeto de mais de 15 horas. Principalmente quando não há lanche, e o rapaz responsável por colocar as malas embaixo é lento e acaba passando todo mundo antes de você, e, sem poltronas marcadas, não se pode mais sentar nas janelas, mesmo sendo uma das primeiras a chegar. Enfim. Mas isso não fez com que o tal “momento de meditação” não existisse, e eu pensasse sobre tudo isso, e minha vida, distanciando-a.


Na minha direita crianças falavam uma língua que não sei dizer o que é, ora inglês, ora alemão, ora algo estranho e novo para meus ouvidos. Na janela as paisagens iam se modificando, e havia neves no topo dos morros – beleza pura para meus olhos que nunca havia visto tal branco cobrindo os montes, como cobertura de bolo de baunilha.

Fomos parados duas vezes por policiais, que pediam passaportes ou identidades. Todos eram vistos lentamente, às vezes mais de uma vez. Nas duas vezes um mesmo rapaz fora tirado do ônibus – viajava sem bagagem, era italiano, parecia que vinha da casa de um amigo e não tinha documentos. Levavam ele, conversavam, acho que ligavam para algum lugar e, no final, ele voltava. E na segunda revista, todos para fora para tirarmos as bagagens de baixo! Descemos no frio, no meio da madrugada, cada um tirou sua ou suas mala(s) e depois, tendo o policial visto o interior do ônibus, tudo bem, volta tudo, sigam em frente.

Cheguei meio torta, e veio a Vili faceira me receber. Fomos para casa dela conversando sem parar, e um homem no metrô sentado em frente se encantou: pediu à Vili que desse aulas a ele de português, chamou ela de “amori mio” e tudo, anote meu telefone, anote! Óia!


Um novo olhar sobre outra parte da Europa começa aqui.

Gente assim, sabe? Gente!

Há os que passam deixando imagens. Do belo, da forte, da singela.

Há os que passam batidos, em uma escuridão sem cor nem intensidade. Passam, e nada deixam nem levam.

E há os que ficam. E que deixam olhares, e sorrisos, e encantos, sinceridade reconhecida no olho. Os especiais, esses habitam nosso estado de espírito, colorindo-o em uma gama infinita de cores e sensações que permanecem. Em memórias, em presenças. Ficam.


Quero falar de um casal, doce e divertido. Quero falar de uma dupla que tive o grande prazer de conhecer em Charleville, durante esta seleção. Chamam-se Violaine e Evandro, e ele também carrega Richard em seu nome de batismo.


Ela é doce, mas possui um furacão em seu interior. Eugenio Barba certa vez escreveu que é preciso ter o caos dentro de si para dar a luz a uma estrela dançante. Acho que ela é dessas pessoas. Faz bonecos de olhos profundos e dores enormes atreladas à pele de boneco que é matéria, mas que respira vivo em suas mãos delicadas. Ela não diz o que tem e o que é, mas é. E encanta, emociona, e arrisca. É francesa, e fala um português impecável. Com sotaque de Minas, carregado, leva um “sô” em suas expressões francesas.

Ele é de Minas Gerais. Contou que em sua cidade moram cerca de mil pessoas. É um dos caras mais sinceros e simples que conheci. “Eu tenho cabeça grande, sô, não entra nessas máscaras aí..!” E ri, com seu sorriso de menino. Compartilha tudo, e é sincero em seu ajudar. Ajuda. Companheiro, foi quem mais esteve ao lado do Ramin depois de ter saído a lista, estando aquele em momento triste. Evandro, também triste por não ter passado mas nunca desanimado, alegra. Em uma doçura mansa, com o nada faz todos à sua volta darem risadas enormes. E rimos, e rimos. Com seu macacão jeans e sua máquina fotográfica de 4cm em mãos, com flash que traz sorrisos certos. SEMPRE. Foi ele quem aprendeu a música do Irã que cantamos na despedida. Com cachimbo que ganhou do Ramin, chorou também como menino. É menino. Forte e guerreiro, tendo atravessado o universo para ali estar. E é menino travesso ainda assim.

Acho mesmo que as pessoas que modificam o mundo, o nosso mundo particular.

Lembro de quando me formei na UFBA, 3 anos e meio de teatro e padagogia para no final eu olhar para tudo isso e dizer: “valeu pelo André, pela Laurinha, pela Milana, pela Soninha, pela Juliana, pelo Makários, pela Cati..!” Valeu pelas pessoas, pelos mestres que pude chamar por apelidos, pela gente que habita os pensamentos, não o contrário. Pela gente que pensa, e não pelo que pensaram da gente e na gente.

Aqui também,valeu por eles. Pelo Evandro, pela Violaine, pelo Jorge, pela Thais (e foi merecido Thais, tenha certeza que foi!), pela Iris, pela Perrine, pelo Ramon, pelo Jose, pela Jurate da Lituânia - que nos comunicamos pouco com palavras pela dificuldade, mas muito pelos olhares porque estivemos juntas, vivas e entregues nos momentos mais tensos. Valeu pela gente, essa gente que reconhecemos gente, e que esteve transparente nestes dias de emoções fortes e vibrantes 24h, durante toda a semana. Gente que se mostra, e nos ensina no mostrar. Que vibra conosco e que se entristece, e sempre junto, e sempre estando.

Um abraço no coração de cada um!


(Colombí ?!?)

domingo, 24 de abril de 2011

Um não

Charleville-Mèziéres, 23 de abril de 2011

A resposta foi não.

E depois, tendo eu perguntado o porquê, ouvi uma das coisas mais duras que eu poderia ouvir sobre o meu trabalho: “trata-se de presença cênica. De falta dela”.

Disse que de maneira nenhuma é uma questão plástica, que o meu trabalho é lindo e bláblá, tem uma estética pessoal e disto ninguém do júri duvidara. E que o júri estava muito dividido, porque parte dele me queria muito na Escola e outra parte não. Processo democrático, foi votado. Eu saí. Sinto muito, dizia-me o representante.

Presença.

A coisa mais forte enquanto palhaça, que não quis trazer para cá porque sempre aprendi que era o boneco quem tinha que ressair, não o marionetista. Foi o que faltou. E nada dito durante o processo, nenhum sugestão ou conselho a respeito disso. Só agora me falam, é isso que a Escola quer, é isso que gostamos. Não diferente. E você está fora.

Acho que vou demorar muito tempo a entender muitas coisas. Algumas escolhas do júri, demorarei muito, não tenho dúvidas.

A pessoa que eu mais estava certa que entraria também não estava na lista. Ramin, do Irã, tem um trabalho incrivelmente lindo, fez uma apresentação poética e das mais belas, trabalhou duro na confecção e manipulação de bonecos, inpecáveis. Não passou. Por que? Porque era muito diferente do que a Escola buscava. Contava histórias, e eles queriam uma relação de ator e bonecos – quase a mesma resposta que para mim. Não passou. E ele, sentado em frente do seu cachimbo, com os olhos embaçados perguntou como que em sussurro, conversando conosco de olhar baixo: “como vou saber fazer isso? É algo que nunca vi, e que vim aqui justamente para aprender e conhecer, para trocar com as coisas que sei, que vivo, que fazem parte de minha realidade. Como eu posso saber?”

Eu fazia a mesma pergunta para mim, também, estando também a chorar por dentro e por fora.

Disse o senhor do júri para mim: “é cruel, sei que é. Te mandar de volta para o Brasil, com todo o trabalho que tens. Mas é assim, é só uma seleção, e é só um caminho dentre tantos.” Eu sei, e sigo em frente. Tenho chorado muito, tudo o que tenho para chorar, para daqui a pouco voltar a sorrir e fazer sorrir. Sigo sem entender, mas assim me parece ser a vida.

Ramin voltou ao Irã essa manhã. Depois de ter saído o resultado ele contou-nos que, não tendo conseguido entrar em uma instituição boa de estudos, terá que servir ao exército por 2 anos e meio no Iraque. Irá se alistar assim que chegar ao país porque não tem outra opção, assim é a sua realidade, assim é sua vida.

Depois falou disso para os representantes da Instituição. Não há nada a fazer? Podem ajudar? Tudo que disseram é sentimos muito, mas não podemos considerar problemas pessoais... Mas ele vai para guerra, trocar a delicadeza de seu trabalho por calibres e balas... Nada a fazer.

Disse o colombiano que passou no exame: “fique em meu lugar, siga trabalhando”. Mas não pode. Não há nada a fazer.

Hoje de manhã Ramin pegou o trem. Cantamos uma música que ele ensinou a Evandro esses dias, na língua dele, enquanto seus olhos fortes choravam atrás do vidro. E os nossos! Lá ia ele, lá ia, abanando em silêncio.

Jamais vou esquecer isso. E creio que também jamais vou conseguir entender este não a Ramin.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

(segredos)

Charleville-Mèziéres, 21 de abril de 2011

A grama verde abana distância.

Afastada tendo saído para fotografar a casa a que tenho que abandonar até às 10 horas de amanhã, descobri uma Cidade dos Segredos. Como aquela, da pequena Marina, como aquela.

Tomei um dos segredos em mãos, sem arrancá-lo do solo coberto de sol. Poderia fazer um pedido, um apenas.

Neste momento, o júri reunido no Instituto decide uma estrada na vida de 15 pessoas. Neste momento, neste em que tenho um branco segredo em mãos.

O quê quero pedir? O quê jogar ao vento? Qual o meu querer mais sincero, e por quê?

Pensei longo tempo enquanto a moça ao lado esticava-se ao sol. Qual é? Qual é?

Pesos e medidas calculados em segundos, um não saber sincero. Se o que mais quero é estar em povoados, trocando em vilarejos, que faço eu aqui? Tem, realmente, sentido?

Levei longo tempo com esta pergunta em mãos. E disse tem, para mim tem sentido. É um período, uma passagem para lá. Para que o ir até estes “locais distantes” seja leve e doce, podendo trocar ainda mais com os habitantes de interiores.

Apertei o caule verde, cheguei perto da planta. O quê quero? Quero ficar, para ir. Quero ficar, então.

De olhos fechados desejei profundo, respirei fundo. Quero, e quero muito.

Abaixada, descalça a acariciar os pés com a grama, soprei. Fiz meu pedido jogando-o ao vento. Queria, profundamente.

Mas no vento está a percorrer os mistérios do mundo. Se será atendido, se não, como será o percurso e o caminho insano de minha vida, não está mais preso em meus dedos. Sei seguir sonhos, e só. O restante dou ao tempo, e é ele quem me ensina. Assim, leve. Assim, calmo e belo, e confuso por vezes a silenciar as mentes. Sei, só, seguir sonhos.

Foi-se o segredo, discreto no céu azul. Abanou-me de longe, percorrendo caminhos desconhecidos. Foi-se meu segredo voar.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Aquilo que Brota

Charleville-Mèziéres, 20 de abril de 2011

Semana correndo, semana fazendo.

Hoje apresentei-me o júri de 7 senhores e senhoras e aos demais sobreviventes – digo, digo, candidatos – a minha pequena cena que montei em dois dias (contando neste tempo a criação, confecção da boneca e ensaios).

Com sugestão dos professores daqui, fiz o teto todo em português. Inspirado em uma frase de um grande amigo, o Tiago do Meme – espaço cultural real e imaginário incrível de Porto Alegre – segue abaixo o texto que criei:


AQUILO QUE BROTA

Havia uma moça

Muito pálida, muito seca, muito triste

Que morava em um lugar qualquer.


Tudo aquilo que achava belo queria pegar

Mas de suas mãos as coisas fugiam como pó em reflexo de sol.

Um dia quis pegar a chuva.

Mas esta caiu como pranto escorrendo em suas finas mãos.

Não podia. Não podia...


Outro dia, encontrou um amor.

E foi o mais belo e verdadeiro amor que poderia ter.

Era intenso, e forte, e podia tê-lo nas mãos.

(E ela pensou mesmo que o teria para sempre.)

Mas também este partiu.

E deixou a moça um pouco mais pálida, e seca, e triste.


Tempos depois, tendo sentido uma dor muito profunda, algo de si nasceu.

Nasceu em noite escura com ela a espremer a escuridão. Confusa com o que sentia, e que doía, e que era um mundo novo que dela saía, e nascia...

Novo!


Também pálido mas nunca triste, o pequeno olhou em seus fundos olhos.

A moça agora mãe ficou longo tempo a admirar.

Ela o tinha nas mãos, mas sabia que logo ele também iria partir.

Talvez, e só talvez,

Ali ela entendeu o universo inteiro.

Porque ao olhar para ele, pela primeira vez ela olhou para si.

E tudo que tivera sempre com ela estampado em sua pele fina.

Tudo ali, escondido e doce como receita de avó. As dores, as alegrias, as angústias e os nós.

T u d o a l i .


A moça ainda pálida e seca, mas nunca mais triste entendeu.

Compreendeu que não precisava levar as coisas nas mãos

Mas que sempre

Levava tudo nos olhos.



Dei apenas uma frase em francês antes de iniciar a cena: “vou contar a vocês a história de uma moça que tudo a escapa”. Só isso, imagens metafóricas com botões, linhas e retalhos e nada mais. Talvez não fosse mesmo preciso que me entendessem.

Apresentei com a tranqüilidade ao meu lado, fazendo-me cócegas nas orelhas. Aqui há uma expressão que diz algo como “tomar o seu tempo” – é como carpe diem, aproveitar os instantes, não se apressar. Dar às coisas o tempo que elas necessitam. E assim foi...

Tendo sido a quinta a apresentar, em seguida tive-me aliviada. Acabou, tinha feito o melhor que pude. E estava contente por isso.

Muitos outros apresentaram hoje, em seguida. E podendo assistir aos demais, depois de ter acompanhado-os em todas as aulas, laboratórios e oficina, foi um presente! Um aprendizado vê-los em cena.

Percebi que a percepção de mundo aqui é outra, não linear. Deu para notar a diferença com as cenas dos estrangeiros de fora da Europa, porque fazíamos – na maioria – cenas realistas, enquanto os demais arriscavam outras relações, permissíveis e dialógicas. Bom demais assisti-los, abriu inúmeras portas em minha imaginação!