Páginas

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Plantação de Tulipas na Holanda

Lisse/Holanda, 3 de maio de 2011

“Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito.” (Manuel de Barros)


Li um relato de uma moça que dizia assim: tem o parque, aquele famoso. Do lado de fora, tem bicicleta, aquele bichinho de duas bolas com que a gente navega no mundo. Sabe? Aqueles bichinhos que nos levam pras maravilhas. O parque é só uma maneira de ganhar dinheiro grande com isso. De chamar gente, de vender coisa.. Beleza mesmo é o lado de fora do mundo!

Bem, não foi bem isso que ela disse. Falou de forma formal e bonita, não essa minha forma bagunçada de falar. Mas, pois bem... Falou do Parque Keukenhof que existe na Holanda, em numa cidadezinha perto de Amsterdam - de nome Lisse. O Parque é bonito, deu pra ver no anúncio! E enche de gente querendo ir, ônibus lotado de turistas de todo o lado do mundo. Sai da frente do aeroporto de Amsterdam, e deixa na frente do Parque. Uma beleza!


Aí chegamos lá. Com pouca grana, mas muita vontade de ver tulipas (finalmente, destas estampadas na minha pele branca). Então, do lado de fora, fomos até as tais bicicletas. Aluguel, tem mapa, estrada, pontos principais, aqui tem tulipa e aqui não. Pois bem!


Havia avisado o senhor do ônibus que tempo bom é segunda semana de abril, ali sim tá bonito. Agora está mais ou menos, já tiraram pra vender, tem um pouco, só. Puxa vida. Disse mais o senhor: hoje faz tempo bom, amanhã chove. Ele mora lá, e seguia de pé no ônibus atulhado de gente. Falou do nosso chimarrão, disse que conhecia do Chile. Eu não consegui falar muito, dialoguei com ele com sorrisos, só. A Vili sim falou, e traduziu para meu português ali solitário.


Então alugamos as bicicletas. Duas, das mais baratas. E um mapa.


Claro que nos perdemos. Eu às vezes acho que só sei me perder, que a vida em caminhos definidos não tem como ser a minha. Entro em uma loja, saio, e já não sei onde estou. No Brasil! Na minha cidade! Imagine aqui.



As primeiras pedaladas foram a sensação pura do que é liberdade. Em meio aos campos, vento no rosto, nenhuma preocupação com carros porque estávamos um pouco longe deles. As primeiras pedaladas me deixaram em um mundo à parte, onde só se pode ver alegria à frente. Vibrantes, andávamos. Na beleza, saia ao vento e rosto encharcado de felicidade tranqüila e intensa.


Andamos e andamos e andamos. E começamos a perceber que os campos tinham tulipas, mas cortadas. Dava para ver o caule e o resto de planta que sobrara do corte, pernas sem rosto. Foram-se as tulipas. E mais campos, e mais caules, e nada de cor a não ser o azul manso do céu e o verde um pouco pálido do chão. E aos poucos minha felicidade começou a virar angústia - vim de tão longe, tanto tempo esperando por isso, tanto em mim querendo ver, e perdemos por duas semanas? Dentre 365 dias do ano, erramos por menos de 15?


A Vili não perdia a tranquilidade, e eu um pouco desanimada seguia pensando, cabisbaixa. Pensei sobre isso, o perder. Estava com a roupa de Palitolina na cesta de vime, e pensava sobre o palhaço como figura do perdedor, do que não consegue, do que fracassa. Cheguei a achar condizente, e a ver a beleza das outras coisas que nos cercavam – e daquela liberdade que a bicicleta me proporcionava sem muros nem paredes nem nada que não fosse o pedalar tranqüilo de pernas compridas.


Perdemo-nos, pedimos informação, não entendemos, fomos parar em outra cidade. O trajeto do mapa dizia que levaríamos de 2 a 3 horas, e acho que pedalamos quase 6. E depois de nos acharmos na estrada, querendo ter certeza, fomos falar com moradores. Fomos não, fui. Deixei a bicicleta com a Vili, do outro lado da rua e do pequeno rio/córrego, e fui. Com o mapa na mão.



Senhor e senhora no campo me olharam, cachorro também avançou. Apontei o mapa, falei um não-sei-o-quê. Eles não falavam inglês, era holandês o que diziam. E fazíamos gestos, sim e não, não quero ir para esse lugar, quero ir para esse! Entendemo-nos depois de um tempo, bicicleta tendo caído do outro lado, é para lá que devem ir. Terminou ele falando assim: “flowers!!!” e apontando para a estradinha em frente.





E andamos. Eu já um pouco conformada, um pouco triste ainda (não nego), lá fomos nós no sol gostoso da tarde. E de repente, lilás. Paramos, comemos uma maçã, andamos por entre as flores. Curtimos aquele jardim que não tinha tulipas, mas algumas flores calmas a balançar com o vento que suspirava.





Bicicletas, en-frente.


E,


de repente:




cores.



Era um pedacinho de mundo ali. Assim, pequenino na imensidão dos campos verdes. Lá estavam elas! Brancas, amarelas, pintadas, fortes, cruas, doces, rosadas... lá estavam elas.

Não sei porquê ficaram, e não foram com as outras. Penso que pode ser para os turistas, mas poucas pessoas chegaram ali no tempo que ficamos. Nem sequer era caminho de parque, ou de ônibus. Chegando, não havia ninguém.




Pensei que haveriam cercas, difícil acesso, barreiras. Nada. Podíamos entrar, andar, deitar no chão nos intervalos e saracotear com elas. Acho que o princípio da liberdade é este: você deixa, e neste deixar gera respeito.


Estacionamos as bicicletas, fomos até as cores.



Distanciamo-nos uma da outra, a Vili mais à frente, eu atrás. Pé ante pé, meus olhos explodiam em cor. Uma das maiores belezas que vi, assim, crua e simples. Dispostas ali como senhora de povoado distante, crescendo com a vida e com o tempo sem pressa, as tulipas mostravam-me a particularidade de cada cor, de cada detalhe, e enchiam meu coração de perfume. Era lindo o tempo que guardavam em suas pequeninas cúpulas ao avesso. Tenro, o tempo ali se dilatou. Como se cada segundo fosse toda uma vida; como se cada espiar o vivo fosse toda uma oração.


Agradeci a uma força que não sei qual é por ter podido ver este pequeno espaço no mundo, enquanto algumas gotas brincavam de encharcar minhas bochechas geladas. Um tempo enorme, um tempo que seria miúdo se eu não tivesse a olhá-las.


Pouco depois, resolvi colocar a roupa de Palitolina. E como em um ritual muito fraterno, coloquei o nariz e andei pela plantação.




















Havia neste momento dois casais de idosos, e conversava com eles com delicadeza e com sorrisos, apenas. Eles respondiam, assim como um ou outro motorista que passava na estrada ao lado, erguendo o braço e com a mão aberta de olá.


Ficamos ali algum tempo, apreciamos. Depois seguimos, porque sempre temos estradas à frente, e não precisamos estar com as coisas para tê-las conosco.


Paramos em frente a um campo (quase mato) para comer uma baguete com um molho que estava em promoção no mercado do aeroporto, uma delícia, e depois voltamos – com a Vili a guiar, o que foi uma ótima ideia! Devolvemos as bicicletas para ninguém (porque não havia ninguém lá para recebê-las – retorno ao tal princípio da liberdade) e pegamos o ônibus de volta para a bagunça encantadora de Amsterdam,e voltando ao camping em seguida.

Estávamos transbordando de cores.






















Um comentário:

  1. Neste dia em que a tristeza me habita e as lágrimas brotam num turbilhão,poder sentir
    em meu coração toda esta tua maravilhosa
    vivência é um alento.
    Com certeza,este pedacinho de mundo multi-
    colorido aguardava a chegada de vocês.Também
    elas, as tulipas,devem ter ficado felizes com a visita.Mais uma vez o Universo proporcionou
    uma troca encantadora...
    Te amo,mãe.

    ResponderExcluir