Milão / Itália, 19 de maio de 2011
Voltamos ontem à tardinha, Fragitsa um abraço e dois sacos de café grego. Hoje o retorno à França. Tendo conhecido Violaine e tendo ela conhecido o meu trabalho, indicou-me ao grupo e fui convidada a participar do Orbis Pictus 2 – Festival de Formes Brèves Marionnettiques com o Mundo Miúdo. Grande oportunidade de troca. Começa amanhã, três dias tem.
O avião saía às 6h do cedo na estação Bergamo-Osio, mas para se chegar lá é um grande percurso. Tendo ido dormir às 1:30h, saí da casa da Vili às 2h da madruga. Peguei o coletivo das 2:27h na noite colorida de lua cheia e o ônibus para a estação às 3h, últimos horários. Cheguei na estação por volta de 4:30h, 2+1+1,5.
Sabendo que a empresa escolhida – mais barata – era mais restrita à bagagem, comprei junto ao bilhete mala extra no porão e tratei de colocar todas as minhas roupas – era eu uma bola de tecidos sobrepostos. Na mão, tirei tudo da sacola do ‘Mundo Miúdo’ tendo restado apenas a caixa, frágil, para se ficar menor e a me acompanhar com cuidado.
Na estação/aeroporto gente dormindo por todos os lados. Sobre as esteiras, nos cantos, no centro, roncando ou sonhando (ou ambos, certo também). No chão eu arrumava meu mundinho particular e comia a pizza que a Vili tratou de colocar toda na minha mala, junto a maçã e salgadinho.
No horário marcado, embarque. Cheguei no check-in da Ryanair e tudo que ouvi, em italiano que não sei reproduzir, foi: esta é a sua bagagem de mão? Sim. Impossível! Medi, e era 1 e meio os centímetros da lateral que passavam do marcado.As outras medidas todas estavam bem abaixo do exigido, só aquela. Não houve jeito. É impossível, repetia ela. Tentei explicar, não posso despachar porque é frágil, é o meu trabalho, é impossível, tente outra empresa então – respondia sem vacilo. Assim, seca, acompanhada pelo coro da colega à sua direita. Eu tentava, tentava e nada. Mandou-me à outro lugar, e ouvi o riso das duas pelo meu aparente e real desespero assim que dei as costas.
A moça do outro guichê falava espanhol. Foi mais atenciosa, a explicar não pode, só se despachar e custa 40 os euros. Eu no total nem isso tinha nos bolsos. Pode ressarcir o valor? Não. Pode devolver o valor da outra passagem, para Madri, 5 dias depois e que também não poderei embarcar, assim? Não. Vi ante o vidro meu dinheiro todo batendo asas, e eu em desespero tentando agarrar. Mas não havia jeito. Andei para lá e cá, o quê faço agora, festival com contrato assinado, o avião já havia ido, e agora?
Tentei não ligar para Vili, mas não houve jeito: Vili, desculpe, estou aqui ainda, isto e aquilo. Passagem em outras empresas é mais caro, pensei ônibus. Como faço para chegar na rodoviária? Xingou a empresa comigo. Deu-me as coordenadas – é em tal lugar, custa tanto. Voltei mais uma hora e menos dez euros, metrô, outro, outro, lado errado, volta, cheguei à estação de ônibus horas depois. Moça, tem ainda? Tem. Sai às 16:45h. Passa cartão? Passo. Passou. Não deu.
Moça, onde saco dinheiro, a rapa do tacho? Não sei.
Moço jornaleiro, onde saco? Ih, é longe. Para lá.
Moça? Não sei.
Moça da recepção 2 quadras depois, onde saco? Pra lá, mais.
Moço da esquina, 10 quadras depois, onde saco? Dobra ali...
O problema não foi só o longe. Andar não me doi, mas com quilos de bagagem até um passo torna-se eterno em dor de costas e de peso. Vestida com 10 quilos de roupas, a água brota do corpo como brisa na noite que enxarca as folhas. Em frente ao caixa eletrônico, por favor, por favor, que eu consiga. A água já brotava também de meus olhos quando a máquina sorriu seca dizendo que não era possível, não reconhecia o cartão estrangeiro. Como não? Volta tudo, já não pensava, sol comendo o cabelo no topo. Olhava para cima, por que? Olhava para os lados, por que? Fechava os olhos, eu não entendo. Não havia dinheiro em mãos, nem possibilidade breve de tê-lo. Parei no meio da calçada, meu suor confundia-se com meu pranto, meu desespero também. Minha Nossa Senhora do Não Consigo Entender, o quê há? As pessoas passavam e olhava, só. Não queriam fazer parte de minha dor. E depois de muitas, uma tentou ajudar. Mas liga para o Brasil, vê o quê há. Como? Tentou ajudar, mas não sabia o que fazer também.
Quis casa.
Quis colo.
Quis retorno.
Quis morangos.
Eu quis o simples, só o pequeno.
Voltei para a estação. Não sabia o que fazer, e nisto fiz algo que não tinha certeza do querer: liguei para a Vili, em plena aula dela. Vili, não sei mais o quê fazer, tenho vergonha em ligar, mas tenho medo de um não-ir, tem ideia? Eu vou aí, disse ela. Me espere, estou indo.
Ela pegou greve de metrô, por isso levou horas. E chegou com um sorriso grande, eu ainda com meus quilos a mais e gritos na garganta, não se preocupe, tudo certo, abra um sorriso também. Sorriso com desespero, e ela conseguiu meu olhar com esperança de ainda chegar. Emprestou-me dinheiro, mesmo quase não tendo. Eu em poucos dias passei a devedora. Sei que e como vou pagar – ambos festivais que irei participar pagam, só demora um pouco. Mas não gosto de dívidas, de acúmulos para o se fazer de amanhã. Agora devo à todos, e ainda assim a Vili conseguiu alegrar-me, tranquila e confiante: são só coisas. O dinheiro, se paga. Mas o que você vai ver e trocar, nisso não há preço. Nisso há só o hoje, aproveite, é um investimento. E é, sábia garota.
Liguei para Violaine, acertei os ponteiros. Tomei um café e tirei as roupas.
No ônibus, o mesmo motorista da vinda, nenhuma complicação com bagagens. Amanhã chego na manhã.